Plantas Alimentícias Não Convencionais, Potencial Nutricional e a Importância Cultural.
- Beatriz de Aquino
- 10 de nov. de 2020
- 16 min de leitura
Atualizado: 11 de dez. de 2020
As conhecidas popularmente como PANCs, plantas que comumente nascem de forma espontânea nos quintais, desprezadas entre culturas de áreas agrícolas e calçadas comuns em áreas urbanas, as Plantas Alimentícias Não Convencionais possuem potencial gastronômico e nutricional amplo, sobretudo considerando a atual situação de altas de preços e redução de renda nas famílias são alternativa viável para a diversificação. Fizeram história popular no passado e podem e devem ser resgatadas culturalmente. Além de ganhar espaço nos últimos anos nas mídias, programas culinários, em trabalhos acadêmicos, em supermercados, feiras e também nas próprias casas, no cultivo em pequenos vasos de consumidores dessas hortaliças, podem ser uma alternativa para ampliar o repertório gastronômico, auxiliar no combate à fome e à desnutrição como também uma alternativa de sustentabilidade e agricultura alternativa para comunidades rurais.
RESUMO
O presente estudo analisou a diversidade e qualidade nutricional das plantas alimentícias não convencionais (PANCs), conhecidas popularmente como "mato" ou "ervas daninhas". De crescimento espontâneo em áreas rurais e urbanas, elas já foram utilizadas na culinária popular tradicional, prática essa que caiu em desuso, abandonando o potencial gastronômico de tais plantas. É apresentado, também, o conceito de etnobotânica e sua importante contribuição no resgate do consumo destas ervas, devido ao seu grande potencial nutricional, cultural e pela possibilidade de cultivo sustentável. Foi observada uma ampla diversidade de PANCs com potencial nutricional, alimentício e culinário, porém o conhecimento sobre estas, apesar do recente interesse de pesquisas sobre as PANCs, ainda se encontra em desuso.
PALAVRA CHAVE: PLANTAS ALIMENTICIAS NÃO CONVENCIONAIS, ETNOBOTÂNICA, NUTRIÇÃO, GASTRONOMIA NÃO CONVENCIONAL
1. Introdução
Considerando a degradação ambiental decorrente da agricultura, plantas que comumente nascem de forma espontânea nos quintais, entre culturas e calçadas, as PANCS, Plantas Alimentícias Não Convencionais como são conhecidas popularmente, além de ganhar espaço nos últimos anos nas mídias, programas culinários, em trabalhos acadêmicos, em supermercados, feiras e também nas próprias casas, no cultivo em pequenos vasos de consumidores dessas hortaliças, podem ser uma alternativa para ampliar o repertório gastronômico, auxiliar no combate à fome e à desnutrição como também uma alternativa de sustentabilidade e agricultura alternativa para comunidades rurais.
Essas plantinhas de fácil manejo, chamadas por muito e a muito tempo de “mato” ou “ erva daninha”, têm registros de uso em nossa história na cultura popular como alimento, função mística, e como recurso na medicina alternativa. Hoje caindo no esquecimento, é quase inexistente como recurso alimentar ou noutras funções de origem.
Os conhecimentos sobre a identificação e potencial nutricional destas plantas podem contribuir muito para uma nova gastronomia popular, uma agroecologia sustentável, de baixo custo, total aproveitamento e mínimos impactos ao meio ambiente. Desse modo, a questão que norteia esse trabalho é qual o potencial nutricional e de enriquecimento da dieta humana das plantas alimentícias não convencionais?
Neste trabalho, é possível conhecer e desmistificar o uso de plantas alimentícias não convencionais chamadas de PANCs e sua variedade de usos e cultivo, além do resgate da contribuição cultural em diversas regiões do Brasil. Para tanto, elaborou-se os seguintes objetivos específicos: 1) descrever o potencial das plantas alimentícias não convencionais na alimentação humana e quais são as plantas alimentícias não convencionais mais consumidas atualmente no Brasil, 2) pesquisar as propriedades nutricionais das plantas alimentícias não convencionais mais comuns no país; 3) relatar a contribuição etnobotânica e o uso das plantas alimentícias não convencionais nas diferentes regiões do país.
A pesquisa foi realizada a partir de uma revisão de literatura qualitativa e descritiva tomando como base artigos publicada em revistas científicas, livros, sites de bancos de dados como Scielo, Google acadêmico e Capes. Utilizou-se como critérios para a pesquisa o período de publicação nos últimos vinte anos, em território nacional que abordem informações científicas acerca do uso, potencial nutricional das PANCs e a etnobotânica. Utilizaram-se como palavras chaves de busca: PANCs, etnobotânica, nutrição, sustentabilidade, conhecimento popular.
2. Das plantas primitivas a domesticação
É na natureza humana, desde a pré-história o uso de recursos naturais para sua sobrevivência (VEASEY et al 2011) A agricultura como é hoje, é fruto da domesticação de plantas durante a evolução do homem da evolução das plantas em geral (LADIZINSKY, 1998). Em contrapartida, a contemporaneidade é marcada pelo incentivo ao consumo de alimentos processados e ricos em gordura, sódio e corantes.
A ação do homem na domesticação das hortaliças, foco deste trabalho, assim como defende Fuller (2007), mas que a regra não exclui outros recursos naturais, de forma consciente ou não, acabou tornando-as dependentes da interferência humana e dos ambientes criados por ele. O resultado foi o surgimento de novas e diversas espécies, aprimoramento de alguns exemplares vegetativos em detrimento da exclusão do uso de outros (LADIZINSKY, 1998).
O orgânico, sobretudo as hortaliças, foi substituído pelo industrializado sob a defesa de que os industrializados possuírem superior controle de qualidade e de contaminantes a despeito da agricultura familiar convencional (VERSEY et al, 2011).
As flores, de consumo comum desde a antiguidade, podem ser citadas como recurso alimentar não convencional de tempos remotos. Fernandes et al (2016) comentam que as flores proporcionam sabor, cor e aroma aos pratos, muito valorizados atualmente pela culinária, incorporando as plantas alimentícias não convencionais em gastronomia de alto padrão. O hábito de comer flores, evidenciado na Idade Média, é prática comum que se mantém na Europa ainda nos dias de hoje. Grandes metrópoles como São Paulo, estão incluindo em seus empórios e lojas especializadas, redes de supermercados, estes produtos culinários para uso tanto em pratos doces quanto salgados (MELO et al., 2003).
Elas sempre estiveram presentes na culinária, mesmo que não de conhecimento popular. A Couve-flor, o Brócolis, a alcachofra, são flores de plantas alimentícias hoje convencionais, mas que nem sempre foi assim que não ganham e nem perdem nada para a flor da Begônia, por exemplo, uma parte (flor) de uma planta alimentícia não convencional como tantas outras em potencial ou a capuchinha. Ambas melhor descritas nos próximos capítulos.
3. O potencial das plantas alimentícias não convencionais na alimentação humana e o consumo no Brasil
São consideradas plantas alimentícias não convencionais, as plantas que nascem espontaneamente, sem necessidade de nenhum manejo, amplamente adaptada a diversos tipos de solo e resistentes a variação climática, e que servem para o consumo, embora não possuam o uso popular disseminado (CASTRO, DEVIDE, 2016). Noda (1997) define que a sigla PANC significa Plantas Alimentícias Não Convencionais, referindo-se a todos os vegetais, hortaliças, gramineas, arbustos, frutas e flores que poderiam ser consumidos, mas são desprezados, considerando o desuso da maioria delas ou referindo-se ao desperdício de algumas de suas partes descartadas pelo desconhecimento de seu potencial alimentício e nutricional. São plantas que não requerem tratos especiais de produção e manejo como ja foi citado, adaptando-se aos mais diversos ambientes, variando de solos muito ácidos com alto conteúdo de alumínio até em solos alcalinos e salinos, de temperaturas amenas à climas desérticos e tropicais. É comum, mesmo em ambientes urbanos, encontrar alguns exemplares de plantas alimentícias não convencionais crescendo em fendas nas calçadas, telhados ou muretas como o “dente de leão” (Taraxacum officinale), por exemplo, ou a “serralha” (Sonchus oleraceu).
Diversas plantas apresentam os atributos que as classificam como alimentícias, porém, segundo Kinupp (2007) pelo desconhecimento de suas qualidades e a forma como se desenvolvem acabam sendo encaradas pejorativamente como ervas daninha ou mato, matinho e praga, desprezando sua grande importância ecológica, alimentar e mesmo econômica sem considerar o seu histórico, uma vez que a maioria delas ja fez parte na ancestralidade da culinária humana regional assim como explica Barreira (2015) referindo-se a pesquisas recentes que demonstram o uso amplo de plantas alimentícias não convencionais na alimentação básica de nossos ancestrais, que por alguma razão, seja pelo impulso industrial, cultural, agrícola ou qualquer outro motivo, foram esquecidas pelas gerações seguintes.
O Brasil apresenta uma grande biodiversidade de espécies da flora e fauna silvestres. Dentre as espécies frutíferas e hortaliças nativas, além das cultivadas ou naturalizadas, têm-se uma ampla variedade e riqueza alimentar e nutricional (FERREIRA et al, 2018). Mesmo as pessoas de origem rural, explica Kinnup e Barros (2004) estão deixando de utilizar para a alimentação, diversas espécies de plantas alimentícias não convencionais e tratando-as como daninhas.
Carneiro (2004) justifica esta mudança de comportamento pela facilidade em adquirir verduras convencionais em feiras e mercados, e na dificuldade de identificação das hortaliças comestíveis não convencionais nos meios urbanos.Lemes e Ferraz (2018) relata que a ONU (2013) sinaliza que 840 milhões de pessoas no mundo sofrem de fome todos os dias o que torna paradoxal o fato de o Brasil ser um grande produtor de alimentos, detentor de uma invejável biodiversidade, sobretudo em flora e uma parcela de sua população sofrer a crise da fome, consequência da falta de acesso aos direitos básicos à alimentação de boa qualidade e em quantidade adequada para satisfazer as necessidades nutricionais humanas.
Os autores enfatizam que é um paradoxo, esse número de pessoas acometidas pela fome com o alimento ao alcance de suas mãos quando poderia ser reduzido consideravelmente se a população tivesse conhecimento de como identificar e consumir as plantas alimentícias não convencionais. Corroborando com os autores, Ferreira et al (2018) explica que estas plantas podem ser relevantes para a integração e aproximação de diferentes culturas, saberes populares, conectando as diferentes formas de uso e preparo dos alimentos, bem como as maneiras tradicionais de plantio e manejo, épocas de colheita e usos múltiplos em diferentes regiões e tempos.
Em 2015, Lemes explicou que o distanciamento da prática do uso de plantas alimentícias não convencionais na dieta cotidiana alimentar, é um risco à memória e à transmissão dos saberes tradicional às presentes e futuras gerações. Algumas delas, afirma Barreira (2015) vem sofrendo grande risco de perda de variabilidade genética em função do crescente abandono do seu cultivo, extinção dos habitats e desuso sendo mantido apenas por populações indígenas. Algumas ainda é possível sinalizar o uso de algumas pelo Brasil. Plantas alimentícias não convencionais em diferentes regiões como, por exemplo, a Begônia e o Peixinho-da-horta, de ocorrência na região sul, segundo Kinupp (2015) são muito utilizados como plantas ornamentais em diferentes regiões sem que se tenha ciência do potencial alimentício.
As flores da Begônia (Begônia cucullata), plantas nativas do Sul do Brasil, comum em áreas úmidas e semi-sombreadas tem seu consumo atualmente divulgado, porém, é integralmente proveitosa e saborosa. Podem ser consumidos os ramos, as folhas, as flores, os tubérculos presentes em algumas espécies. Tanto crus quanto cozidos apresentam um sabor característico delicioso, tomando o cuidado com o excesso de consumo quando se refere a pessoas com problemas renais devido à alta concentração de ácido lático nas pétalas.
São conhecidas popularmente como azedinha-do-brejo, begoninha-de-jardim, begoninha e azedinha, dependendo da região e de um amplo espectro de cores, na sua maioria em tons de vermelho, rosa, amarelo, laranja e branco, com folhas que vão desde o verde a tons mais escuros terrosos e as flores com maior variação tonal, desde os tons mais clarinhos de rosa, rosa intenso e tons de vermelho. Segundo Kinupp (2015) de nome popular Peixinho, lambarizinho, sálvia peluda, pulmonária, peixe-frito, orelhas de cordeiro, entre outros é também até os dias atuais exemplo de PANC ainda consumida na região Sul.
Na região Sudeste, o autor destaca como exemplo de planta alimentícia não convencional que ainda é consumida é o Feijão- espada ou feijão-cavala. É considerado o maior feijão do mundo, de tamanho considerável podendo pesar até 5 gramas cada grão, um sabor que difere dos feijões convencionais de consumo popular e produção agrícola, É um tipo de feijão que assim como as demais exemplares dessa categoria possui grande potencial nutricional embora seu preparo precise de um pouco de atenção.
No Centro Oeste, o autor expõe o Ora-pro-nóbis como a planta alimentícia não convencional de maior consumo entre as Pancs, muito popularizada na região centro oeste desde a antiguidade mas que ficou no esquecimento por muitos anos, voltando recentemente a tradição popular principalmente entre os mineiros. Ora-pro-nóbis é também, muito apreciada entre os veganos por sua grande riqueza nutricional em proteínas e popularizada pela grande quantidade de receitas e forma de uso culinário.
No Nordeste, o exemplo escolhido é o Cacto-pé-de-Mato ou conhecido também como Palma forrageira, é uma espécie de cacto com alto teor de fibras, vitamina A e ferro. tendo como único cuidado na coleta e preparo seus espinhos.
E no Norte, o representante exemplo deste capítulo é a Vitória Régia, que segundo Kinnup (2015) apesar do seu potencial gastronômico e nutricional, as comunidades nas várzeas amazônicas não mantem viva essa tradição culinária. Podem ser utilizadas tanto as flores, folha e os rizomas de diversas maneiras. Para Bredariol (2015) a valorização de tamanha diversidade subestimada e pouco utilizada na atualidade é uma questão levada em consideração dentro dos princípios da Agroecologia, onde se busca sempre uma maior integração entre a agricultura, da qual a humanidade depende, com os ciclos e ritmos naturais de codependencia.
Kinupp destaca a importância da divulgação do uso, potencial nutricional que será melhor explicado no próximo capítulo e a diversidade de plantas alimentícias não convencionais, sua correta identificação para o consumo, de forma que valorize os saberes regionais, e que, a sustentabilidade agroecológica seja uma realidade e possibilidade de combate a desnutrição e degradação ambiental. Uma opção de preservação da natureza.
4. Potencial nutricional das plantas alimentícias não convencionais mais comuns no país
O Brasil conta com o maior número de espécies vegetais nativas comestíveis. Considerando-se a enorme diversidade de plantas com potencial alimentar existente no planeta e a relevância para a saúde ao haver a inclusão de vitaminas e minerais na dieta (Kinupp, 2009).
Compõem uma alternativa para a melhoria na qualidade alimentar de pessoas de baixo poder aquisitivo, substituindo alguns nutrientes encontrados apenas em alimentos de alto custo e menor disponibilidade no mercado (BRASIL, 2002). Isobe (2008) defende que PANCS, apesar de serem plantas invasoras, não requerem tratos especiais como adubação de solo, ou temperatura, ou umidade, sendo adaptadas aos mais diversos ambientes como qualquer terreno, calçada, áreas de pouco ou muita incidência solar ou nenhum sendo de fácil acesso. São viáveis em diferentes experimentos de cultivo, por serem espécies rústicas, sobretudo nos sistemas agroecológicos, onde não há o uso de defensivos nem ou adubações sintéticas com eficiência (kinupp, 2009). No Brasil, apesar das pesquisar sobre as proteínas das PANCs estarem já se consolidando, ainda há ausência em pesquisas sobre proteínas específicas foliares que podem ser relevantes. Poucas informações estão disponíveis sobre proteínas vegetais de espécies nativas no Brasil considerando a variedade e biodiversidade de flora nativa. Por outro lado, as reflexões de autores sobre a inclusão das PANC na dieta alimentar concluem que a forma de escolha e de consumo de alimentos pelo ser humano está ligada intimamente às suas raízes culturais e devem ser resgatadas e preservadas (Noda, 1997). Algumas hortaliças como a capuchinha (Tropaeolum majus L.), da família Tropaeolaceae, encontrada em diversas regiões do mundo pela sua elevada adaptabilidade referente a clima e solo, além de grande potencial estético, decorativo, possui potencial gastronômico, medicinal, porém o consumo excessivo quando infusão ou suco pode ser tóxico causando desconforto gástrico.
Foi muito utilizada pelos índios peruanos na medicina, bem como parte de sua dieta, além de ser utilizada também por outras etnias como fonte de alimento e corantes naturais (PANIZZA, 1997), segundo Silva (2017) é rica em vitamina C e mineral como potássio, cálcio e zinco, além de compostos sulfurosos benéficos ao sistema imunológico.
Na capuchinha, além dos compostos sulfurados que beneficiam o sistema imunológico, muita vitamina C, as tonalidades das pétalas estão associadas à presença de carotenoides, que são pigmentos que vão do amarelo claro até o vermelho escuro com o carotenóide predominante a luteína que é um composto antioxidante responsável em concomitância a outros componentes em preservar doenças oculares.
Por estas caraterísticas, experimentos foram conduzidos com as plantas em vários sistemas de cultivo para produção de biomassa da capuchinha, utilizando resíduos orgânicos e nitrogênio (SANGALLI et al., 2004); também foi avaliada a viabilidade econômica da produção de flores sob sistema hidropônico (SOARES et al., 2015) e recentemente, feita a análise de crescimento inicial, empregando diferentes doses de cama de aviário (SANTOS et al., 2015)
Castro, Devide (2016) afirmam que o Dente-de-leão (Taraxacum officinale), uma planta também comestível, encontrado em várias regiões do mundo e sem a origem documentada, conhecido também como alface-de-cão em algumas regiões, é altamente nutritiva. Nutrientes como ferro, potássio, magnésio, cobre, ácido fólico, além de antioxidantes, fibras, aminoácidos e proteínas. Possui propriedades digestiva, diurética, antimicrobiana, antifúngica, inseticida, fungicida, vermífuga, antitumoral e desintoxicante.
Para Kinnup (2017) a Taioba roxa (Xanthosoma violaceum), conhecida popularmente como taioba de talo roxo, Malangá ou Malanga ornamental e alimentícia, nativa da América Central e naturalizada no Brasil e a Taioba Verde Malangá ou Malanga, defendem Castro e Devide (2016) que, é excelente fonte de vitamina A e C, rica em ferro, potássio, cálcio e manganês.
Rodrigues (2016) explica que o Cálcio é um nutriente fundamental para o crescimento, manutenção de funções do organismo, os teores de cálcio nas farinhas variaram de 1.440 mg/100g na serralha a 2.100 mg/100g na taioba, sendo próximos as folhas secas de cenouras (1.970 mg/100g), a taioba seca (2.230 mg/100g) e a farinha de folhas de mandioca (1.930 mg/100g). Kinnup (2009) defende a Serralha (Sonchus oleraceus) é parecido com dente-de-leão, algumas vezes confundida, é rica em vitaminas e minerais como carboidratos, parente da alface, rica também em proteínas e fibras, cálcio, fósforo, manganês, magnésio, ferro, potássio, cobre, zinco e sódio, vitaminas A, B2, B6, C, D e E, e mesmo sendo leitosa não é venenosa como a maioria das plantas leitosas, além de propriedades anti-inflamatórias, antioxidantes e anticancerígenas.
Ainda nesta família, Castro, Devide (2016) citam o Taro (Colocasia esculenta) hoje mais utilizada pelo seu rizoma o Inhame e o Inhame Rosa possui, suas folhas, potencial depurativo do sangue aumentando a imunidade inclusive em tratamentos contra a malária e a dengue. Seu potencial nutricional está por conta do potássio, ferro, vitaminas A, B1, B2, C e niacina. Kinnup (2017) pontua como excelente PANC de maior uso disseminado e potencial nutricional do Ora-pro-nobis nacional, que apresenta em média 20% de teor proteico e 85% de digestibilidade, além de elevados valores de aminoácidos essenciais, destacando-se a lisina, leucina e valina, rico em fibras, cálcio, glicídios, protídeos, fibra alimentar, podendo assim demonstrar aplicação farmacológica no tratamento e prevenção de patologias relacionadas a deficiências proteicas (MAZIA, 2012; ROCHA et. al., 2008 p.3)
Um alimento pode ser considerado rico em fibras, se apresentar mínimo de 3 gramas de fibras por 100 mililitros e mínimo de 6 gramas de fibras a cada 100 g ramas de sólidos do produto. Ou seja, se contiver mais que 6 gramas de fibras, que é a recomendação mínima, podem ser considerados ricos em fibras, para um alimento sólido (BRASIL, 1998).
A Bertalha coração, segundo Martinevski et. al; (2013) (Anredera cordifolia) conhecida também como cipó-babão, espinafre gaúcho, madeira-vime, pode ser consumido tanto as folhas como os tubérculos possuindo potencial nutricional rico em lipídios, proteínas, rico em fibra alimentar e carboidratos e ausente de toxidade.
Mesmo com estes exemplos listados aqui, segundo Kinnup (2017) Lorenzi(2014) não seria possível listar a infinidade de opções e a riqueza potencial das plantas alimentícias convencionais do Brasil onde a Matriz agrícola está apoiada na exploração comercial de poucas espécies exóticas domesticadas.
A oferta de alimentos considerando potencial nutricional das plantas alimentícias não convencionais é mais do que suficiente para alimentar a população mundial, porém são necessárias medidas políticas que possibilitem a melhor distribuição de renda, permitindo o acesso a esses alimentos e propiciando o crescimento e fortalecimento das comunidades nos países em desenvolvimento (Abramovay,1996).
5. Etnobotânica e consumo de plantas alimentícias não convencionais
A etnobotânica é uma modalidade disciplinar científica relativamente nova que não tem sido sistematizada e formalizada como outras ciências já estabelecidas (Hamilton et al. 2003) que objetiva, diante da grande diversidade cultural do Brasil, com cerca de 218 povos indigenas, conforme explica Diegues e Arruda (2016) sem considerar os não indigenas que possuem uma vasta riqueza cultural e uma relação com as plantas nativas sobretudo no uso culinário e de cura em diferentes formas de manejo e aproveitamento sustentável dos recursos naturais, favorecendo e sendo a base do estudo da nomeada atualmente Etnobotânica. Segundo Kruel et. al.;(2005).
A etnobotanica é atualmente definida como as relações da sociedade humana com as plantas embora seja uma prática antiga. Este termo cresceu nas ultimas décadas na América Latina .Algumas instituiçoes já oferecem este estudo como disciplina em todo Brasil no curso de Ciências Biológicas. Numa época em que são debatidos tantos temas polêmicos referentes aos benefícios e aos perigos oriundos de avanços científicos, a Etnobotânica e áreas correlatas (Etnobiologia, Etnoecologia) discutem possibilidades de aproximar as pesquisas científicas das prioridades de sociedades humanas, especialmente de populações tradicionais e populações historicamente marginalizadas, incluindo a urgente necessidade de conservação e uso mais parcimonioso dos recursos naturais (KRUEL et.al.;2005).
É, segundo Melo et al.(2008) uma ciência que teve sua origem nas numerosas observações de exploradores, missionários, naturalistas e botânicos, ao estudarem o uso de plantas por comunidades de todo o mundo e que devido à sua interdisciplinaridade, decorrente do vasto campo de estudo, apresenta metodologias extremamente diversas, originárias tanto das ciências biológicas quanto sociais. Diegues (1996) descreve a relação simbiótica entre homem e natureza que está presente tanto nas atividades produtivas quanto nas representações simbólicas do ambiente, permite que tais sociedades acumulem amplo conhecimento sobre os recursos naturais ocorrentes em seus territórios.
Em comunidades tradicionais, perpetua-se uma relativa simbiose entre ser humano e natureza, tanto em sua práxis quanto no campo simbólico, o saber imanente desses grupos acumula, favorece e mantém o conhecimento sobre este território onde é vital que se reconheça a importância da transmissão desse saber às novas gerações.
Entretanto, na maioria das vezes, os sujeitos dessas comunidades não se percebem como atores sociais, com direitos e responsabilidades, ou seja, como parte integrante de processos e de transformações locais. É possível identificar que essas comunidades viveram, e de certa forma ainda vivem, em um mundo invisibilizado (SANTOS, 2007). As pesquisas etnobotânicas, de cunho essencialmente interdisciplinar, vêm se mostrando promissoras para geração de subsídios a diversos tipos de aplicações no desenvolvimento local de comunidades tradicionais. As comunidades tradicionais têm sido historicamente submetidas a intensas transformações sócio-econômicas, as quais envolvem o confronto entre saberes e práticas tradicionais e novos costumes trazidos pelo contato intensificado com a sociedade moderna.
Os modos de uso, de preparo e as espécies vegetais utilizadas nas práticas não podem negar que na natureza, à medida que uma planta é percebida como de relevância para um dado grupo pode ser poupada em decorrência dos benefícios revertidos aos que a conhecem, porém, o cuidado deve existir uma vez que nos casos de utilização excessiva, de interesse comercial e principalmente com o comércio informal o risco de escasseamento e até de extinção existe.
6.Considerações finais
Finalmente, é fundamental a busca de uma compreensão para além da materialidade, enfatizando as representações do mundo natural pelas populações tradicionais, na tentativa de compreender como essas representações influenciam na organização social e na transformação de suas relações com a natureza gerida desde a ancestralidade pelo alimento e domesticação de flora.
Conclui-se com este estudo que há uma variedade de modelos de plantas alimentícias não convencionais e em todas as regiões do Brasil e mundo e com excelente potencial nutricional que podem tanto enriquecer os pratos com cores, sabores e nutrientes, porém uma escacês de pesquisas que assegurem a disseminação de conhecimento e divulgação dos potenciais inerentes.
Manter o total aproveitamento ds plantas, além de mitigar os impactos a natureza com a agricultura comercial que ficaria impossivel listar todas neste trabalho é gerir sustentabilidade agrofamiliar. As PANCs apesar de apresentam características de adaptação ambiental muito amplas, conclui-se que praticamente são desconhecidas pelas populações urbanas ou deixadas de lado durante a evolução e movimentaçoes sociais. No entanto, em um país como o Brasil, onde existem regiões de grande carencia nutricionais é importante e resgate popular cultural gastronômico que gradualmente tem caído no esquecimento favorável tanto ao meio ambiente quando a propria subexistencia humana.
Acredito que o material aqui compilado possa aguçar a curiosidade a cerca do tema e a multiplicação da etnobotãnica. Importante ressaltar que alguns cuidados devem ser tomados no resgate cltural popular das plantas alimenticias não convencionais de modo que favoreça a sustentabilidade natural,enriquecimento gastronomico e nutricional e não interesse comercial que pode, no uso inadequado e exploração das espécies, levar a escacess e até extinção dos exemplares vegetativos em questão.
REFERÊNCIAS
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ROCHA, D. R. C.; PEREIRA JÚNIOR, G. A.; VIEIRA, G.; PANTOJA, L.; SANTOS, A. S.; PINTO, N. A. V. D. Noodles added of ora-pro-nobis (Pereskia aculeata Miller) dehydrated. Alimentos e Nutrição, Araraquara, v. 19, n .4, p. 459-65, 2008.
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